FPF pensa também em como ajudar futebol feminino
Diretora da Federação, Aline Pellegrino prevê jogos sem torcida, possíveis desistências e mudança radical na maneira de enxergar o esporte
Aline Pellegrino, diretora de futebol feminino da Federação Paulista de Futebol, tem liderado as tentativas da entidade em minimizar os efeitos colaterais da Covid-19 na modalidade. Para isso, foram desenvolvidas algumas estratégias, como o monitoramento da situação dos clubes durante a quarentena. E é a partir delas que a FPF poderá determinar como será o retorno, por exemplo, da Série A1 do Paulistão.
Os times ainda terão um ciclo de palestras relacionadas com o novo coronavírus, como aula de gestão financeira e orientações de saúde mental, e terão de responder um questionário detalhado sobre a situação atual, o que inclui o número de atletas, relação com patrocinadores e situação do fluxo de caixa. A entidade está preparada, inclusive, para lidar com possíveis desistências.
“Desistência foi abordada. A ideia era sentir isso de cada um dos clubes. O que vai nos dar essa diretriz são as respostas do questionário. Bati o olho em algumas (respostas). Algumas me geraram preocupação. Ponto de atenção em alguns. Vamos ver se dá para interferir, se a gente consegue com as nossas ferramentas. Onde der, vamos interferir, mas algumas coisas não dá. Por exemplo: número reduzido de atletas. Para quem não tem atleta hoje, a hora que retomar não sei se consegue ter atleta suficiente. Caso aconteça, de nesse momento da retomada, algum clube não conseguir seguir e a gente não conseguir com nossos meios ajudar a manter, o clube não será penalizado” explicou em conversa telefônica com a reportagem do GloboEsporte.com.
LEIA TAMBÉM:
+ Time feminino do São Paulo entrou em férias no começo de Abril
+ Veja como está a tabela do brasileirão de futebol feminino
O Paulistão Feminino tinha data de início prevista para 12 de abril, com 21 datas e 16 participantes. Em reunião na semana passada, o regulamento anterior, que previa multa para eventuais desistências, foi anulado. O novo Conselho Técnico deve ocorrer em 15 de maio para traçar o futuro da competição, já com um panorama detalhado da situação dos participantes.
Para Pellegrino, o futebol não será mais o mesmo depois da pandemia:
“Por exemplo: nunca imaginamos futebol sem torcida, mas é algo que vai acontecer. Vai ser uma realidade muito forte para esse ano. Vamos ter que entender como vai ser isso para o ano que vem. Quando a gente encerra temporada sem torcida, é receita que não entra, principalmente para o masculino. E o quanto isso vai impactar no caixa do clube, no caixa da Federação, no caixa da Confederação no planejamento para o próximo ano? A receita que entraria agora, é a partir daí que viria o outro ano. Vão diminuir. O quanto de impacto vai gerar? Como vai fechar contrato de um jogador ou jogadora das premissas que partia antes em 2019? Não vai ter como. Vai ser um outro futebol. Não dá para dizer o impacto que vai trazer. Vai ser ruim ou bom a falta de público? Pode ser que surja uma estratégia para aumentar a receita”, afirmou.
Confira a entrevista exclusiva do GloboEsporte.com com Aline Pellegrino:
GloboEsporte.com: Como tem sido seu trabalho nesses dias de quarentena?
Aline Pellegrino: Agitado, estava de férias antes. Uma boa parte da Federação entrou de férias coletivas. Retomei na última segunda-feira de fato. Não quer dizer que estava parado, óbvio, não tem como parar. Acho que dei uma engatada, mergulhada no trabalho, nessa última semana, quando tivemos a reunião do dia 22. Antes era muita incerteza. Hoje continuamos assim, mas dá para olhar para um cenário diferente, olhando para outros países onde a curva já está baixando. Toma uma decisão hoje, acorda amanhã e já tem que mudar. Não dá para pensar a longo prazo. Estou tentando ser criativa, pensar coisa fora da caixinha, porque ainda não temos como cravar quando retoma.
E como foi a reunião com os clubes? O que foi passado a eles e o que teve de retorno?
Foi bem bacana a reunião. Temos uma relação ótima com os clubes do feminino. São 21 anos de Paulistão, muitos deles jogando todos os anos. Todos próximos, que entendem uns aos outros. Vivemos o futebol feminino em vários momentos diferentes e agora estamos com isso em um ano de tantos planos e projetos. Facilita a conversa. E foi com toda a diretoria da Federação presente. Em quatro anos que estou aqui, foi a primeira vez, que aconteceu uma reunião do feminino com tanta gente da direção participando. Todo mundo ali por duas horas ouvindo cada um dos clubes, entendendo o momento de cada um. Apesar do momento ruim, sempre tem algo positivo.
O que foi falado e planejado?
Falamos da nova realidade do futebol. O futebol não será mais o mesmo. Não será para A1, A2, A3 feminino, para o Brasil, Colômbia, Argentina, Itália… Não será o mesmo. Não adianta achar que vamos voltar de onde paramos, é uma nova realidade e vamos precisar nos adaptar. Queremos entender o planejamento de cada um deles, como estão sendo os treinos das atletas, entender quais eram as competições que iriam participar. Alguns têm competições diferentes de outros. Entender de onde vinham as receitas, quantos patrocinadores tinham, se mantiveram o patrocínio… Isso vai ser bem importante para trilhar as próximas ações.
Quais são as ações? Consegue detalhar?
Uma dessas ações é um ciclo de três palestras. A primeira deles sobre direito desportivo, a segunda sobre gestão financeira e a terceira de saúde mental. Até o dia 10 de maio, teremos as três para os gestores e comissão técnica. Vai ser muito produtivo. Para equipe que está em CLT, ouvir o profissional sobre preocupações e etc. Gestão financeira nem se fala. Todo mundo preocupado. Eu com o orçamento do departamento, o clube, a FPF como um todo. Todos falaram que têm preocupação. A ideia é que a psicóloga da Ferroviária possa trazer para eles estratégias. Para as equipes que têm esse profissional, vai participar junto e construir junto. Sem impor nada, queremos construir juntos.
O que quer dizer com “o futebol nunca mais será o mesmo”?
Futebol vai ser todo diferente. Não importa onde. Vai acabar impactando para todo mundo. Estou me questionando muito sobre isso: busca incessante de fazer o futebol feminino sustentável. Não importa o tamanho que vamos ser. Não precisa ser o carro importado, não importa ser o carro popular do ano, mas a gente vai ser sustentável.
Isso agora que eu já tinha muito e agora está mais claro. Será que é sustentável? Hoje eu tenho e não importa de onde está vindo… Será que estávamos olhando para frente? Temos que planejar diferente. Que futebol eu consigo manter por cinco ou dez anos?
Quais são os próximos passos?
Independente de como faremos, todos querem terminar a competição. Temos flexibilidade de entregá-la por estar no estado. Não pensamos em voo, hotel… Isso dá força para continuar. Vamos entregar da melhor maneira possível. Talvez a resposta e o panorama que montaremos possa mostrar que o problema não é só financeiro. Receita da Federação também vinha da renda desses campeonatos. Os únicos que tem parceiros é A1 e A2 (do masculino) e fazem com que todos os outros sejam viabilizados. Vai ser um efeito cascata. A hora que esse efeito cascata parar de acontecer, vamos entender o tamanho do buraco que cada um está e puxar uns aos outros. Só assim.
Você teme pelo futuro do futebol feminino no Brasil?
Não temo pelo futuro do futebol feminino. O que temos que ter claro é que o que vai nos dar certeza que isso não aconteça é manter as nossas competições. Precisamos garantir isso. Não vamos recuar se mantivermos as competições. Eram 21 datas, era incrível, mas não será menos incrível com dez datas. Vamos ter algo para entregar. A manutenção das competições femininas é um ponto importante. Só que Federação não faz competição sem o clube. Cada um tem um foco, mas a manutenção é primordial.
Já teve conversa com a CBF? O calendário do futebol feminino é problemático mesmo em anos normais, com jogos acumulados….
Não senti dos nove clubes do Brasileiro que estão no Paulistão chance de desistência. Retomar o Paulista é bom para o Brasileiro, também. Metade do Brasileiro começa entre aspas se temos Paulista. O alinhamento vai ser preciso. Óbvio que tem hierarquia, mas muitos precisam do nacional. Essa data da Libertadores que está setembro, seria interessante ir mais para frente. Dá condição de todos terminarem os seus. Não dá para cada um olhar para o seu e pronto. Tudo impacta. Todo mundo vai precisar de todo mundo.
Fonte e foto: globoesporte.com