Cuca: contra a decadência, o imediatismo e o delírio coletivo no São Paulo
O São Paulo foi de suserano a vassalo, ainda que muitos prefiram mentir a si, contrariando a razão e os fatos. Cuca sabe disso e terá muito trabalho
Já foi repetido, ad nauseam, que o São Paulo, nos últimos 10 anos, só conquistou apenas um título, o da Sul-Americana de 2012. A evolução da decadência foi potencializada com fracassos retumbantes e vexames históricos, materializados nas quedas para equipes pequenas como Defensa y Justicia, Penapolense, Bragantino, Colón, Talleres, etc, etc, etc.
As primeiras quedas não impactavam, porque o São Paulo era campeão de quase tudo e vivia inebriado de glórias. Porém, à medida em que as temporadas seguiram em branco, consolidando uma decadência sequer antes imaginada, em que diretores, comissões, técnicos e torcida começaram a deixar de olhar para as nuvens e viram-se assustados mirar o chão.
E, de tanto olhar para o céu, esqueceram-se de sentir a realidade do chão, onde o São Paulo desaprendeu a andar, perdendo a firmeza de seus passos vitoriosos.
O São Paulo foi de suserano a vassalo, ainda que muitos prefiram mentir a si, contrariando a razão e os fatos.
Sem saber lidar com a realidade, girando em um turbilhão de acontecimentos surrealistas, neste período, presidente caiu em impeachment, houve queda de muitos técnicos, com requintes em que um treinador durou apenas três partidas, outro que nunca fora treinador, até chegar na base. Era a tentativa, o desespero e o erro sobrepondo-se.
Também vieram manobras jurídicas para perpetuação no poder, dilapidação de elencos, negativa de jogadores medianos, perda de filosofia de jogo, entre outras medidas que ativaram o “modo aleatório” nas decisões da diretoria e o “modo delírio” nos torcedores.
Sem chão, começaram a elaborar as mais estranhas teses, as quais foram sucumbidas à cada torneio, à cada nova temporada, à cada tampa do dedão que se abria na carne.
Com a perda das convicções, os problemas se acumulando e o São Paulo girando em torno de si, muitas decisões passaram a ganhar contornos políticos, mais no sentido de apascentar as frustrações das arquibancadas, que de fato encontrar uma solução real para os problemas.
O recente capítulo deste jogral começou a ser escrito com a demissão de Aguirre, há cinco rodadas do Brasileirão 2018, mesmo conseguindo elevar um elenco curto e com limitações a liderar a torneio por oito rodadas. Na sequência, a efetivação de Jardine, multi-campeão na base, mas sem experiência para lidar com um vestiário com medalhões. Os jogadores pareciam maiores que o próprio clube, um gigante três vezes campeão das Américas e do Mundo.
O anacoluto da temporada 2019 só poderia se encerrar com as quedas na Libertadores e do treinador, mais uma vítima do “modo aleatório” em que o São Paulo entrou há tempos.
A nova tentativa da diretoria para desativar a aleatoriedade foi a contratação do técnico Cuca, que é vencedor, experiente e com forte currículo. Frente às opções no mercado, melhor, não existia no mercado.
Porém, considerando o conturbado contexto do São Paulo na última década, Cuca representa a decisão mais acertada, ainda que pese os dois meses de vácuo para assumir um clube que luta contra si e contra o tempo.
A palavra tempo soa como insulto aos ouvidos dos tricolores, que há anos renovam as esperanças, mas fato é que Cuca precisará de tempo, e paciência (que é a virtude das virtudes) no São Paulo. Afinal, não se recupera uma década perdida em poucos meses.
O São Paulo precisa entender que não existe salvador da pátria. Tudo se inicia com uma filosofia e estratégia clara de jogo estabelecida pelo clube. A consequência é a formatação de um elenco que atende à filosofia e depois disso contrate-se um técnico para dirigir o elenco, que se ajuste ao pensamento de jogar, em uma simbiose pensada, em uma relação de causa e efeito.
Do jeito que o São Paulo está funcionando, sem filosofia, com catado de jogadores e técnico para salvar o ano, muito dificilmente obterá os resultados pretendidos. Se se considerar que a chegada represente um recomeço mais sólido, ainda há esperança.
No entanto, se a diretoria e a torcida não reaprenderem a olhar para o espelho, como um Narciso olhando para o gramado, ignorando a real situação frente a uma imagem que não existe mais; em breve, Cuca será outra vítima deste delírio coletivo que tomou conta do Morumbi, forjado na busca por resultados imediatistas e decisões marqueteiras, que só afundam o São Paulo em uma espiral decadente.
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