Cobrança, xingamentos e lealdade: o olhar de quem conhece Fernando Diniz de perto
Os xingamentos ao volante Tchê Tchê durante a derrota do São Paulo por 4 a 2 para o Red Bull Bragantino não são uma novidade ao longo da carreira de Fernando Diniz como técnico.
Apesar de ser visto como uma pessoa que gosta de cultivar boas relações com os jogadores, o jeito explosivo durante os treinos e jogos pode chocar quem não conhece o treinador formado em psicologia pela Universidade São Marcos.
Em seu trabalho no Audax, em 2013, seu estilo de jogo único e a forma de comandar causaram uma má impressão e poderiam ter interrompido um projeto de forma precoce. Havia rumores de que Diniz poderia ser mandado embora após uma reunião com a diretoria.
“O temperamento dele era muito explosivo”
“Na primeira semana o impacto dele foi muito negativo. A maneira como ele cobrava era muito diferente do Antônio Carlos [técnico anterior]. Eu falei com o Thiago Scuro, que era o diretor de futebol, para esperar e dar um pouco mais de tempo para podermos nos habituar. Não poderíamos fazer tudo que os jogadores queriam”, disse o ex-lateral Paulo César, ao ESPN.com.br.
“Eu lembro que até o jogadores falavam na brincadeira: ‘Vamos derrubar ele porque desse jeito não dá’. Toda brincadeira tem um fundo de verdade. Eu falei ‘vocês estão malucos, isso não existe’. A gente conversou só entre os atletas que precisávamos nos adaptar ao novo estilo de jogo e uma nova filosofia, que a cobrança que ele fazia era normal. Depois, as coisas funcionaram muito bem e aconteceram de uma forma muito legal”, recordou.
“Fizemos uma pré-temporada e ele começou a fazer as palestras dele que são muito interessantes. Ele fez uma série de filmes do Michael Jordan, do basquete, quando eles foram campeões. Ele tirava o contexto disso e levava para a nossa realidade. Fomos evoluindo e viramos um time muito forte”, explicou.
“Nós fazíamos muitos treinos táticos para que pudéssemos entender o que ele queria. Ele tinha convicção no trabalho dele de posse de bola. Joguei contra um time do Diniz uma vez e foi muito difícil. A favor sabíamos que precisávamos dessa parte mental e da nossa confiança para que o jogo pudesse ser desenvolvido”, contou Paulo.
“O temperamento dele era muito explosivo, mesmo que tenha ainda hoje, ele está mais calmo. Ele tem uma convicção no trabalho e se apoia nisso, assim que os jogadores aderem na parte tática e no discurso e colocam no jogo as coisas funcionam”, garantiu.
Xingar é pecado!
Administrado por uma igreja, a Unificação pela Paz Mundial, conhecida no Brasil pelo líder Reverendo Moon, o Atlético Sorocaba teve que se adequar ao estilo explosivo de Fernando Diniz. O grande número de palavrões, algo condenado pela entidade, era frequentemente ouvido nos corredores. O treinador, aliás, visitou o regime ditatorial da Coreia do Norte com o clube em 2011.
“O Diniz brigava por aquilo que acreditava, mas todos tinham que dançar a mesma música. Nós tínhamos de ser pontuais, com pagamento de salários, bichos e o que se combinava. Ele era muito exigente, saíam aqueles palavrões que, pessoalmente, nunca gostei. Mas funcionava, porque o jogador entendia a linguagem, não era machucar ou desprezar o jogador ou colocar para baixo. O objetivo era entender a proposta de jogo, e os resultados vinham. Ele é um cidadão que cumpre sua responsabilidade, exigia ao máximo e as coisas davam certo. Não perco um jogo do Diniz, ele é um fenômeno que precisa ser estudado”, conta Waldir Cipriani, ex-vice-presidente do Atlético Sorocaba.
“O que você está bravinho?”
Atacante de Fernando Diniz no Atlético Sorocaba, Tiago Tremonti era um dos jogadores mais queridos pelo treinador no elenco. Após uma derrota e um desabafo no vestiário, tudo mudou.
“Depois de um jogo que perdemos, eu estava bravo e dei uma bicuda na porta do banheiro no vestiário. Ele viu que eu estava bravo e me disse: “O que está bravinho? Deveria ter dado esse chute no cara, que ele não faria o gol e a gente não perderia”. E começou a me xingar. Depois disso não joguei mais com ele. Tinha todos os motivos para odiá-lo, mas foi o melhor treinador que tive.”
“Dá para escrever um livro sobre o Fernando Diniz. Estive um ano com ele no Atlético Sorocaba. Foi o melhor treinador que tive, ele exige muito no treinamento. No jogo, ele se transforma. Psicologicamente, entra na mente do jogador. É um cara difícil de comportamento, é difícil aturar as coisas que ele fala. No dia a dia, ele dá moral, mas se no jogo as coisas não acontecem do jeito que ele quer, aí xinga e senta o pau, toca na ferida da pessoa”, conta Tremonti.
Fernando Diniz despontou para o cenário nacional quando levou o desconhecido Audax ao vice-campeonato paulista de 2016. Antes da montagem do time, o meia Helton Luiz foi um dos alvos do exigente treinador.
“O que a gente comentava é se ele agiria assim com jogadores de time grande, de Seleção. Sempre falaram que ele não iria fazer isso, mas estamos vendo que o comportamento é o mesmo e a essência não mudou.”, disse Helton Luiz
“O Diniz foi o melhor treinador que tive na carreira. Disparado o melhor. Acompanhando de longe, vejo que é o mesmo cara do Atlético Sorocaba e do Audax. O Diniz ou você ama ou odeia. Muita gente não concorda com a cobrança explosiva dele. Em semana que tinha jogo do Barcelona, nosso treino era assistir e analisar como eles jogavam. O Diniz é puro, sem maldade e sem trairagem. É a forma que ele enxerga que pode tirar do jogador”, acrescentou Helton Luiz.
O meia, hoje com 34 anos, relembra que discussões como a que ocorreu na última quarta-feira eram corriqueiras.
“No meu tempo, aconteceram vários casos como o do Tchê Tchê. Ele via um potencial enorme em mim, os momentos que eu mais discutia com o Diniz era quando estava bem. Fazia dois gols no primeiro tempo e ele queria que eu fizesse mais. Quem fala mal dele são aqueles que têm ego e não aceitam ser cobrados de maneira mais ríspida. Se acreditar que ele só quer o seu melhor, ninguém vai ter problema com ele. O temperamento explosivo dele era motivo de brincadeira. É um treinador à frente do seu tempo”, disse Helton Luiz, que em 2020 atuou por Frei Paulistano-SE e São Bernardo.
Atualmente com 28 anos, o zagueiro Rodrigo Sabiá, que se desligou do Comercial e está prestes a anunciar novo clube, foi promovido das categorias de base do Paulista de Jundiaí por Diniz. Autor do gol que deu o título da Copa Paulista de 2010, Sabiá foi “adotado” por Diniz em outros quatro times: Atlético Sorocaba, Audax, Guaratinguetá e Paraná Clube.
Telespectador da goleada sofrida pelo São Paulo para o Bragantino na última quarta-feira, Rodrigo Sabiá se divertiu ao ver a discussão entre Diniz e Tchê Tchê. Incomum para o grande público, a cena era comum na época de Audax.
Eles sempre foram muito parceiros. O Diniz sempre chamou o Tchê Tchê de mimadinho. Assistindo o jogo dei risada na hora, passou um filme na cabeça. Mesma fala do Audax agora no São Paulo, mas a repercussão agora é maior. Tenho certeza que os dois se abraçaram e está tudo certo.
“Aonde o Diniz ia, me levava junto. Se não fosse ele, não teria me tornado jogador de futebol profissional. Ele cobra, xinga e exige muito dentro de campo. Quando acaba o jogo, se torna outra pessoa, um ser humano fantástico que nem parece aquele dentro de campo”.
MAIS SOBRE FERNANDO DINIZ:
Ao longo de pouco mais de 12 temporadas como treinador, Fernando Diniz passou por 11 clubes e conquistou três títulos, logo nos dois primeiros anos de carreira: Copa Paulista e Série A3 de 2009 pelo Votoraty, e Copa Paulista 2010 pelo Paulista. São dois prêmios individuais: melhor técnico do Paulistão (2016) e Carioca (2019).
Fernando Diniz é formado em psicologia pela Universidade São Marcos, com o projeto de conclusão de curso tendo como tema a função de um técnico no futebol. Diniz costuma dizer que seu trabalho com os atletas é baseado na formação do cidadão, acima da carreira no futebol.
Foto: Rubens Chiri/ saopaulofc.net