A história são-paulina com o país do Oriente passa por grandes títulos, jogador trocado por aparador de grama, visita imperial e até desenho animado

A primeira vez que são-paulinos e nipônicos se depararam em um jogo de futebol foi ainda nas festividades de conclusão do “Cícero Pompeu de Toledo”. No dia 1º de fevereiro de 1970, sob os olhares de 11.786 torcedores, o São Paulo venceu a equipe do Mitsubishi Heavy Industries FC (atual Urawa Red Diamonds) com uma grande goleada: 8 a 0, gols de Zé Roberto (3), Miruca (2), Carlos Alberto, Gerson e Roberto Dias.

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Como visitante, entretanto, a primeira oportunidade de visitar a “Terra do Sol Nascente” veio somente em 1989, com a disputa do torneio amistoso KKT Gahara Cup.

Em Kumamoto, o São Paulo venceu o Alll Nippon Airways – posteriormente Yokohama Flügels e atualmente Yokohama F-Marinos – por 3 a 2, gols de Manu, Zigomar e Betinho. Foi nessa partida, disputada pelo time misto (reservas e aspirantes), que Cafu estreou pelo Tricolor.

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De lá, para cá, os são-paulinos fizeram outras quatro atuações contra equipes japonesas (Shimizu S-Pulse, Nagoya Grampus, Jubilo Iwata, em 1995; e Kashima Antlers, em 2013), acumulando, ao todo, um cartel de três vitórias, um empate e duas derrotas, com 17 gols marcados e nove sofridos.

TÍTULOS INESQUECÍVEIS

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Contudo, o que todo tricolor associa diretamente ao pensar no Japão é o Mundial de Clubes. E todas as três conquistas mundiais do São Paulo foram obtidas em solo japonês. No antigo Estádio Nacional de Tóquio, em 1992 e em 1993, o Tricolor do mestre Telê Santana superou os adversários de maneira incontestável e ainda cativou, por décadas, o sentimento da torcida local.

Em 1992, o São Paulo venceu, de virada, o Barcelona de Cruyiff e Stoichkov, por 2 a 1 – gols de Raí. E, no ano seguinte, dominou a partida contra o Milan, nunca ficando atrás no placar, e derrotou os italianos por 3 a 2, tentos anotados por Palhinha, Cerezo e Müller, de calcanhar, nos últimos minutos do jogo.

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Tóquio ainda viu o Tricolor voltar a um Mundial em 2005, na primeira fase da competição, quando os são-paulinos venceram o Al-Ittihad, da Arábia Saudita, por 3 a 2. Já o título se deu na cidade de Yokohama, no Estádio Internacional, que viu outro grande time europeu tombar perante o Time de Guerreiros de Rogério Ceni, Lugano, Aloísio e cia. São Paulo 1 x 0 Liverpool, gol de Mineiro.

De quebra, entre as conquistas oficiais, o São Paulo ainda obteve a Recopa Sul-Americana de 1994 em território japonês. Em teoria, como campeão da Libertadores e da Supercopa de 1993, o Tricolor seria automaticamente o vencedor da Recopa, mas por conta de um acerto com os patrocinadores do torneio, o clube aceitou disputar a competição contra o campeão da Copa Conmebol de 1993, o Botafogo. Assim, em Kobe, os torcedores nipônicos viram mais uma vitória são-paulina: 3 a 1, gols de Leonardo – que fez história no Japão, anos depois – Guilherme e Euller.

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De modo geral, no Japão, o São Paulo mantém um currículo de dez jogos, sete vitórias, um empate e duas derrotas. 21 gols foram marcados e 15 sofridos.

VISITA IMPERIAL

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No dia 5 de junho de 1997, o Estádio do Morumbi teve a honra de receber a visita oficial do Imperador Akihito e da Imperatriz Michiko. A corte imperial japonesa foi recebida pelos chefes de estado do Brasil e do governo paulista em cerimônia que contou com o plantio de uma cerejeira na sede social, passeio pelo salão de troféus do Tricolor – com direito a placa honorífica instalada no Memorial do clube – e troca de presentes.

O imperador e a imperatriz foram presenteados pelo São Paulo com uma couraça de ametistas ornamentada com uma pequena réplica do Estádio do Morumbi.

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INTERCÂMBIO DE JOGADORES

O forte vínculo do Tricolor com o Japão também se deu através de jogadores. O primeiro são-paulino a deixar o clube e desbravar o Oriente foi Marco Antônio Menezes de Godoy, mais conhecido como Lange, em 1987, quando acertou empréstimo para o Yanmar Diesel Engine. Na verdade… O passe do jogador foi trocado por uma máquina para aparar o gramado do Morumbi, de alta tecnologia e praticamente inexistente naquele Brasil de antes da abertura comercial aos produtos estrangeiros, ocorrida no início dos anos 90. 

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Seguiram ele, posteriormente: Ronaldão (Shimizu S-Pulse, 1993); Elivélton (Nagoya Grampus, 1993); Bentinho (Kashiwa Reysol, 1995); Alexandre, meio-campista (Kyoto Purple Sanga, 1995); Capone, zagueiro (Kyoto Purple Sanga, 1996); Emerson, atacante (Consadole Sapporo, 1999); Ricardinho, meio-campista (Kawasaki Frontale, 2000); Marcelo Ramos (Nagoya Grampus, 2001); Luizão (Nagoya Grampus, 2005); Roger (Kashima Antlers, 2005); Danilo e Fabão (Kashima Antlers, 2006); Leandro (Tokyo Verdy, 2008); Jorge Wagner (Kashiwa Reysol, 2010); Rodrigo Souto (Jubilo Iwata, 2011); Carlinhos Paraíba (Omiya Ardija, 2012); e Ademilson (Gamba Osaka, 2017). 

E fizeram o caminho contrário, regressando do Japão: Bentinho (Verdy Tokyo), atacante em 1995; Almir (Bellmare Hiratsuka), atacante em 1995; Jorginho (Kashima Antlers), lateral-direito em 1999; Ricardinho (Bellmare Hiratsuka), meio-campista em 1999; César Sampaio (Sanfrecce Hiroshima), volante em 2004; Christian (Omiya Ardija), atacante campeão do mundo em 2005; e Borges (Vegalta Sendai), atacante bicampeão brasileiro em 2007 e 2008.

A história mais peculiar, porém, é a da Musashi Mizushima, o primeiro jogador japonês a jogar pelo São Paulo, aliás, no Brasil.

MUSASHI

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Em novembro de 1974, Pelé, tricampeão mundial com a Seleção Brasileira, foi à Shizuoka, no Japão, lançar uma escolinha de futebol. Um dos garotos ali, do Shimizu FC, lhe chamou a atenção. O nome dele: Musashi Mizushima. Assim, aconselhou os pais do menino, Atsushi e Eiko, a tentarem a sorte no Brasil. A família investiu pesado nesse sonho e o jovem desembarcou, junto da irmã, na cidade de Santos, em abril de 1975. Lá, contudo, permaneceram pouco tempo.

O Santos não possuía categoria de base para jogadores daquela idade (Musashi nascera em 10 de setembro de 1964, tinha 11 anos). Zoca, irmão de Pelé, recomendou aos japoneses que inscrevessem o pequeno nas linhas do São Paulo, serra acima.

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Assim, no dia 3 de abril de 1975, o pequeno Musashi pediu para fazer um teste na recém-inaugurada Escola de Futebol Vicente Ítalo Feola, no Morumbi. Após uma semana de testes, foi aprovado no dia 10 e inscrito na primeira turma do “Dente de Leite” de um dos maiores centros formadores de atletas do país. Ele queria ser ponta, mas acabou meio-campista.

Musashi se tornou, assim, o primeiro jogador de japonês a jogar no Brasil. Pelo feito inédito e ambicioso, ficou conhecido na terra natal dele como “Asas de Ícaro”.

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O potencial e a história do jovem atleta logo chamaram a atenção. A TV Asahi, principal emissora japonesa, resolveu investir naquele que poderia ser o primeiro grande ídolo nacional do esporte que engatinhava, mas crescia muito no Oriente. Rotineiramente gravava e exibia “episódios” do dia a dia do menino para mostrar aos conterrâneos como se dava a evolução do futuro craque.

Ainda adolescente, Musashi ganhou o primeiro patrocínio, da Yashica, empresa nipônica de câmeras e acessórios fotográficos. Outros se seguiriam, no profissional, como o acertado com a Panafacom – um grande conglomerado de eletrônicos – e a Mizuno, de material esportivo.

Em 1978, foi promovido à categoria Juvenil C, para atletas de até 16 anos, embora tivesse apenas 14 – e foi a primeira vez que isso ocorreu na história do São Paulo. Lá, tornou-se capitão do time nas temporadas seguintes. “Conheci o Pelé em Tóquio, quando lá esteve para ensinar futebol às crianças. Lembro-me com orgulho, que fui um dos alunos mais dedicados. Meu grande sonho era mesmo conhecer os segredos do futebol brasileiro. Agora, minha ambição é chegar ao profissionalismo. Afirmou ao “O Estado de São Paulo”, em 12 de setembro de 1984.

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Com nove anos de casa e 20 de idade, Musashi obteve a naturalidade brasileira em 4 de novembro de 1984. Foi o passo inicial para torna-lo pioneiro da nação dele no futebol profissional do Tricolor. O primeiro contrato desta categoria, assinado em 3 de setembro de 1984, somente entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1985, após a naturalização. De imediato, o atleta passou a integrar a equipe de aspirantes do São Paulo, sempre chamado, também, para compor o time misto, chamado de Expressinho.

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Foi por essa equipe que realizou a única partida oficial da carreira dele pelo clube do Morumbi: um amistoso em 21 de abril de 1985, em Bragança Paulista, contra o Bragantino. O São Paulo perdeu por 4 a 3 e Musashi, que começara no banco de reservas, substituiu Pintado no decorrer do jogo.

Sem espaço na equipe principal, o jovem japonês foi emprestado ao São Bento de Sorocaba, em 1986. Na sequência, atuou ainda por Portuguesa (1987-1988) e Santos (1988). No dia 12 de junho de 1989, Musashi comprou o próprio passe (pela quantia de 15 mil cruzados novos), junto ao São Paulo, e rescindiu o contrato com o clube. Era hora de retornar ao Japão.

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Na temporada 1989/90 e 1990/91, defendeu o Hitachi FC (atual Kashiwa Reysol). Em 1991, assinou com o All Nippon Airways FC (atual Yokohama F-Marinos). Teve que encerrar a carreira, precocemente, em 1992, devido a contusões.

Em 1993, todavia, Musashi reencontrou-se com o São Paulo. A delegação do Tricolor encontrava-se em Tóquio para a disputa do Mundial de Clubes daquela temporada e Musashi ajudou a comissão são-paulina com recomendações de clínicas médicas para os jogadores e até mesmo chegou a entrar em campo, no dia 9 de dezembro, compondo o time reserva em treinamentos.

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De uma certa maneira, assim, Musashi ajudou o São Paulo a ser campeão mundial.

SUPERCAMPEÕES

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“Captain Tsubasa” foi uma série de mangás criada por Yōichi Takahashi publicada pela Editora Shueisha na revista “Weekly Shōnen Jump” entre 1981 e 1988. A obra relata a história de Ōzora Tsubasa, um garoto japonês que sonha em ser um craque de futebol. Essa primeira publicação termina com Tsubasa alcançando a seleção juvenil japonesa.

Em 1994, após o bicampeonato mundial do Tricolor no Japão, a série ganha uma continuação denominada Captain Tsubasa: World Youth. É nesta saga, posteriormente animada no desenho que no Brasil ficou conhecido como Supercampeões (exibido na extinta TV Manchete), que Tsubasa – mais conhecido por aqui como Oliver – se torna jogador do São Paulo e vence o Campeonato Brasileiro ao derrotar o Flamengo. Essa fase da trama termina com Oliver conquistando o título mundial júnior pela seleção japonesa.

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O autor, em várias entrevistas, deixou claro que a história de Musashi no São Paulo influenciou na construção da personagem principal da obra que o tornou famoso. Cabe aqui a explicação mais notória dessa relação: Musashi, o “Asas de Ícaro”, é homônimo do maior samurai da história do Japão: Miyamoto Musashi. Miyamoto teve como maior rival, na vida, outro combatente de nome Sasaki Kōjirō. Na ficção, Tsubasa, que ao pé da letra significa “Asas Celestes”, tem como grande adversário um jogador chamado Kōjirō Hyūga.

O sucesso do Tricolor, no Oriente, no início dos anos 90, foi o elo final para a mais famosa produção sobre futebol já feita até hoje em “animê” e mangá.

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A terceira série da franquia veio em 2001 e foi intitulada “Captain Tsubasa ROAD TO 2002” conclui a passagem de Oliver Tsubasa pelo Tricolor. Nela, após golear o Palmeiras por 4 a 0, Tsubasa deixa o São Paulo como ídolo e transfere-se para a Espanha, para jogar pelo Barcelona. A obra é concluída com a seleção nipônica surpreendendo na Copa do Mundo de 2002, realizada no Japão.

Algo pouco conhecido é que Tsubasa não é o único jogador do São Paulo de destaque retratado na obra. Raí serve de inspiração para o atleta Radunga, jogador ao qual o craque japonês veio para substituir no Tricolor, inclusive. Outro são-paulino ilustrado, Pepe, que deixa o clube para jogar no Japão, é totalmente fictício. 

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Fonte: Michael Serra / Arquivo Histórico do São Paulo FC – 

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