O VAR acabou com o sagrado no futebol

No princípio, era o Futebol, e o Futebol estava com Deus, e o Futebol era Deus, com seu eterno lance de dados sobre o destino. Então, chegaram os homens de ternos e cartolas, distantes dos sonhos dos homens e cometeram o pecado de adorar um deus pagão chamado VAR, um bezerro de ouro eletrônico capaz de destruir o que há de mais sagrado no futebol: o instante do gol, do gozo, da plenitude diante de um mundo em que somos mortais.

O futebol se confunde com a vida e sua imprevisibilidade. Cada partida, um novo capítulo, uma peça, como diria o mestre Nelson Rodrigues, com todos os elementos da tragédia humana, de nossa falibilidade.

Tenho consciência de que este texto pode cometer a heresia, ainda mais em tempo de tantos tribunais inquisitoriais cibernéticos, de resvalar na apologia aos erros pensados, às “injustiças castrillianas” e aos cometidos pelo próprio VAR, que em si, deveria ser um instrumento para evitar o erro.

Quando o VAR chegou, pensava eu que as discussões sobre arbitragem diminuiriam, relegando os apitos a pequenas notas de rodapé no alfarrábio diário da bola, que se escreve nas mesas redondas, nos diálogos matutinos nos botecos enquanto se toma um pingado, nos entre goles de cerveja nas barracas nas portas do estádio, nas zueiras entre amigos.

Mas não.

O VAR, além de sufocar o grito de gol, aprisioná-lo em frames, transformou o apito do árbitro em um zumbido perene em nossos ouvidos, tomou de assalto o espaço das discussões das grandes jogadas, dos dribles, das bolas nas traves, do quase gol que se projetava no “se aquela bola entrasse”.

Até o polêmica no futebol ficou sem graça, binária, mecânica com a nova engenhoca, contrariando tudo o que o futebol tinha de mais encantador em seu elemento de imprevisibilidade, onde o olho humano é incapaz de compreender constituído naqueles segundos em que sentamos diante da vida e nos questionamos de onde viemos, quem somos e para onde vamos.

O futebol “moderno”, esse grilhão na bola forjado no aço das explicações através das planilhas e telões táticos enfadonhos e intermináveis, agora também se revestiu de um positivismo irritante, contrariando os pensamentos certos. escritos por meio de pernas tortas, pelo filósofo seminal de nome Garrincha, que em seus diálogos com a bola sussurrava em nossos ouvidos: “mas vocês combinaram com os russos?”

Por mais que se tente, por mais que inventem novos artefatos, novas tecnologias, o futebol jamais atingirá a Verdade Absoluta. O cartesianismo que tentam impor com o VAR termina no mesmo limite do Método de Descarte, em que a única garantia de nossa existência está na Dúvida.

Pior. O VAR, além de não conseguir resolver matematicamente as dúvidas, transformou-se em instrumento mecânico de para validar o erro.

Esse limite entre a Razão é que torna o futebol tão apaixonante, tão encantador, tão próximo de nossos destinos. Porque se confunde – e nos explica – com os lances de dados os quais somos submetidos diariamente por Deus, disputado no campo do incompreensível.

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